Doenças raras afetam cerca de 15 milhões de brasileiros

A maioria das doenças consideradas raras tem origem genética. Os tratamentos são multidisciplinares e o diagnóstico precoce é fundamental para mudar toda a história dos portadores que por vezes peregrinam por várias unidades de saúde até saber mais sobre a enfermidade.


Único no calendário que possui 28 ou 29 dias (quando é ano bissexto), fevereiro é considerado um mês raro. Por este motivo, ele foi escolhido para celebrar uma data especial: o Dia Mundial das Doenças Raras. O dia 29 de fevereiro foi escolhido, em 2008, pela Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis) para sensibilizar governantes, profissionais de saúde e população sobre a existência e os cuidados com essas doenças. “É importante ter essa data como mecanismo de inclusão, como estruturação de política pública, de lembrança que esses pacientes existem, muitas vezes invisíveis, para lembrar dessas demandas para diagnóstico e para assistência multidisciplinar“, explica a médica geneticista do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) Raquel Boy, que coordena o Ambulatório de Genética Médica da unidade e é membro do Comitê Estadual de Direitos Humanos das Pessoas com Doenças Raras do Estado do Rio de Janeiro.

Há, atualmente, cerca de seis a oito mil doenças raras. Para ser enquadrada neste grupo, é necessário que a enfermidade afete até 65 pessoas em cada grupo de 100.000 indivíduos. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde o Brasil possui aproximadamente 15 milhões de pessoas com algum tipo de doença rara. A maior parte destas enfermidades é de origem genética e se manifesta logo nos primeiros anos de vida. Por isso, o tratamento precoce é fundamental para mudar toda a história de vida dessa criança e de sua família. Mas a dificuldade para obter o diagnóstico e ter acesso aos exames que o confirmem ainda são os grandes desafios enfrentados pelas pessoas com estas doenças. Isto porque há poucos centros especializados no país. No Rio Janeiro, o Hupe é um dos espaços que possui atendimento, tanto para crianças quanto adultos.

Há pelo menos 27 anos, o Ambulatório de Genética Médica é um dos locais no hospital que atuam no atendimento a pessoas com as doenças classificadas como raras. Com uma média anual de 350 atendimentos, os pacientes são encaminhados por outros setores do próprio Hupe, principalmente da Pediatria e Endocrinologia Pediátrica. “No ambulatório de genética médica nós tentamos diagnosticar, acompanhar o paciente e fazer o aconselhamento genético das famílias com condições raras que, por serem na maioria genéticas, muitas são hereditárias.Também recebo pacientes da Clínica Médica, da Obstetrícia, da Ginecologia, da Neurologia, da Cirurgia Torácica, da Oncologia. São várias interfaces com as várias especialidades do Pedro Ernesto, mas a demanda maior ainda é pediátrica, sem dúvida”, afirma a geneticista Raquel Boy.

Há mais de 20 anos a médica Raquel Boy se dedica ao atendimento de doenças raras genéticas no Hupe.

No ambulatório são atendidos diversos casos, como explica a geneticista. “Tem pacientes com atraso de desenvolvimento, deficiência intelectual associada a diversas causas. Também tem um grupo com má-formação congênita, outro grupo de pacientes da obstetrícia com perdas de gestacionais repetidas. Há outro com pacientes da Endocrinologia que tem baixa estatura proporcional ou não proporcional, aí incluem displasias esqueléticas, Síndrome de Turner, outras síndromes mais raras, anomalias de diferenciação sexual, ambiguidade genital,  doenças metabólicas, condições neurológicas”, exemplifica. A médica ressalta ainda que o Hupe vem sendo reconhecido por sua atuação junto a algumas doenças: “O Pedro Ernesto, através da Neuropediatria, por exemplo, está se tornando um centro de tratamento da Atrofia Muscular Espinhal, destaca.

AMBULATÓRIO ESPECÍFICO – O Hupe tem ainda um importante espaço dedicado ao segmento clínico desses vários pacientes atendidos pelo setor de genéticaque não tem um nicho claro de atendimento na Medicina e também para atender as doenças raras não genéticas: o Ambulatório de Doenças Raras. Idealizado médico Pedro Coscarelli, o espaço realizou em 2021, mesmo em meio a pandemia de Covid-19, cerca de 1.500 atendimentos. “Por volta de 2006/2007, nós notamos que éramos um local de encaminhamento de casos mais complexos. Nós resolvemos então oficializar com um ambulatório de doenças raras. Conversamos com a Dra. Raquel Boy e vimos as necessidades que ela tinha com adultos, integramos as necessidades e abrimos para as questões não genéticas oficialmente”, diz o coordenador do Ambulatório.

Um dos diferenciais é o trabalho voltado à orientação de atividades físicas para essas pessoas com doenças raras. “Junto com a professora Joyce Carvalho, que tem a disciplina de Educação Física Terapêutica, estamos montando protocolos que sejam seguros e eficazes para melhorar a performance física dessas pessoas. Esse projeto já existia, mas logo veio a Covid e nós iniciamos remotamente. Estamos nos organizando para começar agora em um espaço no Instituto de Educação Física e a partir de março já não deverá ser mais remoto”, acredita Pedro Coscarelli. O ambulatório conta ainda com apoio do médico geneticista Cássio Serão e, nos casos não-genéticos, da professora Mariana Konder, da Clínica Médica, além de residentes e estagiários, como os de Serviço Social, sob orientação da professora Vania Sierra.

OUTRAS ESPECIALIDADES – Esses dois espaços dialogam com outras especialidades no Hupe que atendem a casos raros, como a Arterite de Takayasu, que é raríssima e os portadores são acompanhados clinicamente nos ambulatórios de vasculite dos serviços de Angiologia e de Reumatologia, que desenvolvem um atendimento de excelência junto a essa população. Alguns casos com indicação cirúrgica são encaminhados ao serviço de Cirurgia Vascular. Há também o recentemente inaugurado ambulatório para o tratamento da Narcolepsia, primeiro do Estado específico para tratamento deste distúrbio do sono.

 

Levantamento nacional sobre doenças raras e estudo sobre doenças hereditárias cardiovasculares

O médico Pedro Coscarelli coordena o Ambulatório de Doenças Raras do Hupe.

Sob coordenação da geneticista Raquel Boy e com a participação de alunos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) no levantamento das informações, o Hupe é uma das 40 instituições brasileiras participantes do inquérito nacional para avaliar a estrutura do atendimento multidisciplinar disponível atualmente para este público. A iniciativa é da Rede Nacional de Doenças Raras (Raras). Outro projeto que o Pedro Ernesto é centro participante e tem Raquel Boy como coordenadora local é um projeto da Rede Nacional De Genômica Cardiovascular voltado para o estudo do genoma de doenças hereditárias cardiovasculares, que são consideradas raras também. É um projeto de iniciativa do Ministério da Saúde que foi contemplado pela Adriana Bastos Carvalho, da UFRJ e do Instituo Nacional de Cardiologia. No estudo há o teste genético para diagnóstico das doenças cardiológicas hereditárias, miocardiopaticas hipertróficas, dilatadas, aortopatias, canalopatias que ocorrem em famílias e são importante causa de morte súbita, além de haver o aconselhamento genético pré-e pós-teste, para oferecer.