Inaugurado nesta quarta-feira, dia 19, no HUPE o primeiro ambulatório do estado específico para tratamento da narcolepsia
Desde os 15 anos, Lucia Helena Mariano da Cruz percorre consultórios médicos na ansiedade de saber o que lhe causa tanto sono. Já ouviu um leque de diagnósticos: Anemia; Disfunção hormonal; Estresse; Depressão. Um a um, todos foram descartados. Com exceção da dúvida. E foi procurando respostas que ela encontrou uma entrevista dada por uma paciente do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), Ana Cristina Braga, que hoje preside a Associação Brasileira de Narcolepsia e Hipersonia Idiopática (Abranhi) Foi por meio dela que Lúcia chegou ao que chama de “uma luz em um túnel escuro”. Por isto, nesta quarta-feira, 19 de janeiro, ela saiu de Cabo Frio, percorreu mais de 150 km e chegou ao Hupe para ser uma das primeiras pacientes do novo ambulatório do estado aberto especificamente para o tratamento da narcolepsia.
A coordenadora do ambulatório é a neurologista Christianne Martins. Ela explica que o local dará atenção específica à pacientes com narcolepsia e hipersonia idiopática. A médica comemora este momento relembrando 2014, época em que começou o alerta para a necessidade de atenção a estas doenças ainda consideradas raras. “Quando a gente abre uma porta não sabe o alcance que esta porta aberta terá. Foi o que aconteceu quando eu conheci a Ana Braga que foi uma das primeiras pacientes que atendi com esta enfermidade e que acabou fundando uma associação para ajudar a quem, como ela, tivesse dificuldade de chegar a um diagnóstico e a um tratamento”, lembra Christianne ressaltando o papel que a Abranhi tem tido ao sinalizar o Hupe como referência e porto seguro para os que buscam diagnosticar e tratar a doença. “Hoje estamos tendo outro marco que é a abertura deste ambulatório” vibra a coordenadora.
ESPERANÇA – Marco é também a palavra usada por Lúcia Helena para definir a sua primeira consulta no novo ambulatório com a perspectiva de ter um diagnóstico definitivo e finalmente um tratamento efetivado. “Eu sempre fui uma pessoa alegre. O que me deixava triste era ter um cansaço, um sono…não conseguir fazer as coisas; e não saber o porquê. Até que eu achei um artigo sobre um grupo de apoio da Abranhi” conta a paciente. “A partir daí entrei em contato e, para minha surpresa, me retornaram. Começamos a trocar informações, trocar alegria, trocar tristezas. E, como diz o lema do grupo, saber que você não está sozinho. Sentir isto dá esperança. Foi por meio do grupo que hoje eu estou aqui com a doutora Christianne, para poder seguir a vida, com qualidade de vida”, resume a paciente com esperança renovada.
ATENDIMENTO PÚBLICO – Para se tornar paciente do novo ambulatório, é necessário encaminhamento por meio de uma unidade médica do SUS; a porta de entrada é o Sistema de Regulação do Estado (Sistemas: Sisreg ou Ser). A coordenadora, porém, defende que o conhecimento de que há um lugar próprio para receber este nicho de pacientes tem que ser público e amplamente divulgado. Por isso, ela vê na parceria com a Abranhi um caminho para sinalizar a pacientes e médicos de todo o estado do Rio de Janeiro sobre o novo centro de tratamento. “Esta troca de experiência entre os pacientes é um passo fundamental para que eles cheguem aqui”, diz.
UM ESPAÇO ABERTO PARA NOVAS PESQUISAS
O novo ambulatório de Narcolepsia também abre espaço para novas investigações científicas. Um dos estudos já confirmados é o “Efeito da terapia vibratória sistêmica nos pacientes com Narcolepsia”, desenvolvido em parceria com o professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Mário Bernardo Filho. “O objetivo é gerarmos protocolo para ser efetivado em tratamentos da narcolepsia em todo o país”, adianta Mário Bernardo que irá avaliar e complementar a atenção aos pacientes atendidos no Hupe. Uma a duas vezes por semana, eles irão a Policlínica Piquet Carneiro (PPC-Uerj) onde usarão uma plataforma vibratória que pretende ter efeito direto sobre aspectos fisiológicos do organismo do paciente. “A vibração faz parte do nosso corpo, é necessária ao organismo. Nós precisamos movimentar, vibrar nosso corpo. Muitas vezes o paciente com narcolepsia não faz atividade física; por não conseguir, por falta de disposição… o que pode alterar os processos neurofisiológicos. Por isso, a terapia vibratória pode atuar para incentivar este movimento”, explica o médico. Mário ressalta que se trata de uma análise que requer acompanhamento clínico e ajustes de frequência e repouso. O que será feito diretamente pelo especialista.
Christiane Martins enfatiza ainda que esta pesquisa tende a abrir e consolidar novos tratamentos para a doença. “Ainda hoje temos poucas opções medicamentosas de tratamento. Então é cada vez mais necessário investir em ações não medicamentosas”, diz. A perspectiva do estudo é se estender até 300 pacientes no espaço de tempo de três anos de estudo com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Além disso, Christiane avisa que já estão sendo desenhadas novas pesquisas também baseadas no ambulatório.
“Pesquisa Genômica em Doenças Neurológicas Raras – Narcolepsia” é o nome de outro estudo já ancorado no local, em parceria com o Laboratório de Histocompatibilidade e Criopreservação da Uerj (HLA) e co-coordenação do professor da FCM Luís Cristóvão de Moraes Porto. A pesquisa irá fazer uma análise do material genético dos pacientes que procuram o ambulatório a fim de encontrar parâmetros para realizar o diagnóstico de precisão de narcolepsia em adolescentes e adultos de 13 a 50 anos. Um dos propósitos é estudar os fatores de risco genético através do sequenciamento do sistema HLA (Antígeno Leucocitário Humano) que podem estar associados à possibilidade da pessoa desenvolver a narcolepsia.