Quando a terapia vem da Arte

Pintura, desenho, artesanatos e textos de pacientes da Psiquiatria do Hupe-Uerj traduzem formas de amenizar sofrimentos que transpassam limites da mente e dão subsídios terapêuticos que podem mudar a vida de quem precisa da arte para ”falar”

Imagens Oficina de Cerâmica e de Desenho

Pinturas, desenhos, textos e artesanatos traduzem em formas, cores e traços sentimentos o que muitas vezes não conseguem ser expressos em palavras. É dando voz e vazão a estas sensações que a arte torna-se terapia na Casa-Ateliê-Núcleo de Atividades Integradas em Saúde Mental, espaço multidisciplinar onde são semanalmente trabalhadas oficinas criativas com pacientes ambulatoriais e internos do serviço de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe-Uerj). Desde que foi criado, há quase 20 anos, o lugar já tem endereço certo. Seja nas casas 1 e 2 da vila onde funciona o setor, seja no calendário dos pacientes que aprendem ali a exteriorizar o que a mente não consegue traduzir, mas a arte ajuda a dizer. 

Obras de cerâmica dos pacientes da Casa Atelier

Na definição da terapeuta ocupacional e coordenadora da Casa-Atelier, Aída Dutra, o desafio principal é “conseguir ouvir” e compreender cada paciente por meio de formas artísticas, que dão subsídios terapêuticos e preventivos. “Compreender o limite do outro é fundamental para notar pequenos sinais de pedido de ajuda”, conta a especialista. Estes “sinais” podem apontar, por exemplo, casos de depressão, fobias e até mesmo pensamentos suicidas. A especialista explica que as oficinas começaram em 2003 e hoje se desdobram em várias atividades.

O leque de opções é amplo. Tem a de Arte-colação, que explora a colagem a partir de diferentes materiais; a Oficina Café com poesia, com leitura e produção autoral, além da leitura de obras já consagradas; e o Atelier de cerâmica. “Na cerâmica, por exemplo, são os pacientes que produzem e decidem o destino das peças; eles podem levá-las, dar de presente, ou expor aqui (no próprio espaço)”, destaca a terapeuta mostrando a grande coleção de arte que decora as paredes e móveis do atelier. Há também uma oficina dedicada ao “diálogo”, para sentar e conversar. “Muitos pacientes chegam aqui com agitação psicomotora, escuta alucinatória… Quando ele se envolve com estas atividades, ele vai depositando ali toda a sua vivência psicótica e isto possibilita outra maneira de estar, de falar deste sofrimento”, resume Aída.

Desenho de Amauri Bastos; retrato do professor Paulo Pavão, ex diretor da Psiquiatria Hupe-Uerj

LÁPIS E PAPEL – Vivenciar estas atividades pode ser mais do que uma terapia lúdica. Que o diga Amaury Bastos que define de forma bem concreta os resultados da iniciativa na sua vida. Paciente há 10 anos do Serviço de Psiquiatria do Hupe-Uerj, foi na Casa-Ateliê que ele conheceu o artista plástico Otávio Avancini, um dos colaboradores do atelier na época. A partir de então, Amaury foi descobrindo o domínio do lápis e papel. “Sou um retratista realista. Não fujo da realidade. Eu tento reproduzir da forma mais fiel o que a pessoa é. Fazer um desenho é algo que dura muito tempo, não se deteriora rapidamente. Isso tudo resulta em uma terapia para mim”, declara.

A possibilidade de usar a arte para ir além das palavras é algo que amplia o universo não apenas dos pacientes como dos profissionais envolvidos com a Casa-Ateliê. Para a residente de Psicologia, Ana Helena Uzeda, esta possibilidade foi decisiva ao optar por trabalhar na área. “Eu gosto desta sensibilidade que traz para gente. O paciente aqui tem como expor alguma coisa que muitas vezes a gente não vê. Tem algo aqui quando ele produz a peça, o poema… alguma coisa que transcende”, enfatiza a psicóloga. Para ela, a terapia possibilita aprender mais a profissão, e, sobretudo “aprender mais das pessoas”.

Zervane Nascimento: “Importante exercício de escuta e fala”

Pessoas como Zervane Nascimento, paciente da Casa-Ateliê há cinco anos onde participa das oficinas: Arte-colação; Café e poesia e das rodas de conversa.  “Aqui a gente aprende a ter respeito um pelo outro. A gente ouve o outro. Depois a gente fala. Eu acho muito importante este exercício de escuta e fala”, diz Zervane, destacando inclusive a importância da escuta até na composição das poesias. Para ela, compor e criar como forma de expressão já não é apenas terapia: é vida. “Eu preciso de arte no meu cotidiano. Aqui a gente tem arte”, define.

Por Comhupe


Amauri Bastos: “Sou um retratista realista”

 

Ana Helena, psicóloga: Acesso à sensibilidade que o paciente tem.

 

Aída Dutra, coordenadora da Casa Atelier: A importância de ouvir.