Coração em alerta

“Pandemia e coração não se misturam”. A frase é do professor e médico cardiologista Esmeralci Ferreira, chefe do serviço de Hemodinâmica do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) que resume assim um alerta para a urgência dos cuidados com o coração em tempos de Covid-19. A comprovação deste alerta é resultante do estudo Segurança dos procedimentos da cardiologia intervencionista na Síndrome Coronariana Crônica durante a Pandemia de Covid-19. Trata-se de um levantamento feito pela equipe da Hemodinâmica a partir do atendimento a 105 pacientes com doença cardiovascular (DCV). O estudo mostrou que o medo de ir a um posto de saúde ou mesmo o ato de adiar consultas e exames sob pretexto da pandemia tem levado ao aumento significativo de casos graves ou até mesmo ao óbito.

“Estas duas doenças devem ser respeitadas na mesma proporção. O Covid é muito grave e urgente; entretanto a doença coronariana não estabelece tréguas” grifa Esmeralci que assina o trabalho com outros sete especialistas da Cardiologia do Hupe. A equipe começou o levantamento já no início da pandemia. Foi quando a Hemodinâmica traçou uma estratégia para secar a fila no Sistema de Regulação (Sisreg) de quem esperava para fazer exames cardiovasculares. “Muitos pacientes cardíacos ficaram sem atendimento em unidades de saúde; fosse por medo de buscar assistência ou por não encontrarem clínicas da família em funcionamento”, lembra Esmeralci. Diante desta lacuna, o Hupe abriu um ambulatório específico para absorver a demanda. Foram atendidos mais de 200 pacientes entre março e maio de 2020. Deste total, 105 participaram do estudo.

“Dos pacientes que esperavam por uma consulta no sistema de regulação, descobrimos que pelo menos 15% tiveram que passar por uma intervenção urgente; fosse uma cirurgia cardíaca de emergência ou uma angioplastia. Ou seja, não eram apenas casos ambulatoriais! E um destes pacientes, infelizmente, chegou ao óbito”, revelou. O cardiologista ressalta que a estatística do estudo mostra, sobretudo a urgência dos atendimentos de DCV.

MUDANÇA DE PARADIGMA – “A pandemia de COVID-19 mudou de forma radical as indicações de procedimentos intervencionistas, independentemente da apresentação clínica”, diz Esmeralci. De modo geral, o estudo fez observação especial a este fato de que novas rotinas foram criadas como indicação de intervenções apenas em situações de maior gravidade, assim como também houve desmobilização dos protocolos de dor torácica, por exemplo. “Isso foi uma mudança de paradigma; e quando nós mudamos o paradigma temos que ter muito cuidado. Por isso nós fizemos o contrário. Quebramos o paradigma criado e trouxemos os pacientes para a instituição”, completa.

O levantamento observou que muitos exames de diagnóstico invasivo foram literalmente suspensos para casos eletivos, sem previsão de agendamento. O que ocorreu tanto no  Sistema Único de Saúde (SUS), quanto no sistema suplementar de saúde, onde autorizações foram suspensas por diversas seguradoras. “Admitir que pacientes com Síndrome Coronária Crônica (SCC), apresentem menor gravidade não condiz com os dados observados em literatura, onde são os quais demonstram incidência de lesões obstrutivas significativas em mais de 50% dos casos”, enfatiza a pesquisa.  

A partir destas observações, a Hemodinâmica teve como objetivo principal avaliar, em uma população inicial de 105 pacientes do SUS com SCC, se havia segurança em relação ao risco de infecção para doença Covid-19 na realização de exames. Esmeralci esclarece que foram analisados: perfil clínico, resultado angiográfico, necessidade de revascularização, mortalidade e ocorrência ou não de suspensão de exames devido a diagnóstico ou suspeição da infecção. A média de idade dos pacientes observados foi de 61 anos. Mais de 80% eram hipertensos e quase 40% tinham diabetes.

A conclusão do estudo foi que realização dos exames eletivos em indivíduos com doença coronariana crônica urgente e principalmente segura para pacientes e profissionais, mesmo durante a pandemia, “sendo um contraponto à maioria das recomendações de outros serviços”, enfatiza. Prova disso é que durante o estudo, entre os oito examinadores e membros da equipe, nenhum apresentou suspeita ou confirmação de Covid-19. Assim como nenhum dos pacientes internados mostrou sintomas clínicos da doença durante o período. Obviamente, todos seguiram os protocolos de prevenção:uso contínuo de máscara e higienização constante.

“A mensagem do setor de Hemodinâmica do Hupe é que doença coronariana e Covid devem ser respeitadas na mesma proporção. Não se misturam. A partir do momento que ficamos protelando a indicação de um procedimento necessário, estamos perdendo vidas”, resume Esmeralci.

O estudo pode ser conferido neste link

Por Comhupe