Autismo: pais podem ajudar e muito no tratamento

“Já pensou, tudo sempre igual? / Ser mais do mesmo o tempo todo não é tão legal / Já pensou, tudo sempre igual? Tá na hora de ir em frente / Ser diferente é normal”. Estes versos da canção “Ser diferente é normal”, interpretada pelo cantor Lenine, podem ser aplicados a uma parcela da população: as pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que tem uma forma diferente de ver e sentir o mundo e, por isso, infelizmente, ainda têm o preconceito e a discriminação como grandes obstáculos.

“Não é uma doença, mas uma alteração no desenvolvimento social. Uma forma diferente de ser e estar no mundo. E afinal… não somos todos diferentes? Como diz no nome, é um espectro, variando desde formas com maior comprometimento, com ausência de fala e déficit cognitivo, até formas mais leves que costumam passar muitos anos despercebidas”, explica a neuropediatra do Hupe, Stella Pinto dos Santos.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que, em todo o mundo, uma em cada 160 crianças tenha este transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza basicamente por alterações na comunicação social e interesses restritos. Os sintomas podem incluir a dificuldade em manter o contato visual, expressar as próprias emoções e fazer amigos, o uso repetitivo da linguagem e bloqueios para começar e manter um diálogo, além de alterações comportamentais, como manias, apego excessivo a rotinas, ações repetitivas, dificuldade de imaginação e interesse intenso em coisas específicas.

O TEA pode ter diferentes causas e se manifestar em níveis de intensidade variados, como explica a Dra. Stella Santos: “O TEA é multifatorial, causado algumas vezes por alterações genéticas (são múltiplos os genes reconhecidos até o momento como causais), até causas epigenéticas, como infecções na gestação e as ambientais de sofrimento fetal, prematuridade e outros fatores perinatais. A diferença entre os graus se dá principalmente pelo coeficiente de inteligência e pela linguagem.  Se houver um déficit cognitivo, é mais provável que a pessoa tenha maiores dificuldades. Se a inteligência for normal e a linguagem estabelecida, mais leves são os sintomas”.

Na maioria dos casos, as condições do TEA aparecem durante os primeiros cinco anos de vida e persistem na adolescência e na idade adulta. O diagnóstico é clínico e feito pela observação do médico. “Existem algumas escalas para auxiliar nesse diagnóstico como o CARS e o M-CHAT. Esse último é uma escala que deve ser aplicada por pediatras em lactentes como triagem e, em casos suspeitos de TEA, encaminhar a criança precocemente a médicos e terapeutas (fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional…)”, relata a neuropediatra.

O diagnóstico e início do tratamento ainda na primeira infância são importantes para auxiliar no desenvolvimento e bem-estar das pessoas com transtorno do espectro autista. Por isto, a família tem um papel fundamental na percepção dos sintomas e no apoio às condutas terapêuticas.

“Os familiares são quem mais conhecem os pequenos. Então, se acharem que tem algo errado, devemos ouvir e dar valor a suas queixas. As crianças têm sido trazidas a avaliação cada vez mais cedo porque os familiares têm mais acesso a informações sobre sinais precoces e alterações. A mídia pode ajudar muito nesse sentido! Devemos lembrar que a família passa todo o tempo com a criança, então são propagadores das terapias. É sempre válido que os pais aprendam com os terapeutas como agir e estimular em casa. Sabemos que, como na escola, quanto mais uma informação é repetida, mais aprendemos, então a perpetuação da terapia pela família é fundamental”, destaca a neuropediatra Stella Santos.

O TEA não possui cura, mas há tratamentos que visam minimizar as dificuldades e maximizar as habilidades de cada um. “É como estar em terapia. A gente tem problemas que quer melhorar e qualidades que quer aprimorar ou despertar. Acredito que muita coisa na vida seja aprendida, desde boas maneiras até a forma de se comunicar. Dar “bom dia” ao se entrar num elevador não é nato, mas é aprendido e exercitado. Da mesma forma quem tem dificuldades sociais vai aprender com terapias a se entender e ao outro, perceber o que o outro sente e como lidar melhor com ele”, explica Stella.

A neuropediatra destaca ainda a importância do acompanhamento médico multidisciplinar: “A chave do tratamento são as terapias multidisciplinares. De início é válida uma avaliação auditiva também. Fonoaudiologia é fundamental a todos os casos, mesmo aos que falam, para aprimorar o diálogo. Terapia ocupacional pode auxiliar no brincar funcional, no faz de conta, na interação e nas crianças que tem alterações sensoriais e seletividade alimentar. A Psicologia é bastante importante também para auxiliar na interação e avaliar cada caso. Alguns têm transtornos comportamentais associados que podem também ser abordados em terapia. A terapia cognitivo-comportamental é das principais metodologias reconhecidas por evidências científicas. Existem também outras formas de terapias como os modelos ABA, TEACH, Denver, Floortime que podem ser aplicados por terapeutas e extensivas à família e colégio. A Psicopedagogia vai ensinar a criança a forma de estudar e aprender. Por vezes pode ser necessário adaptar o currículo e o material escolar, ou até o apoio de uma mediadora.”

São diferentes terapias que podem ser associadas para testar e melhorar as habilidades sociais, comunicativas, adaptativas e organizacionais, como a musicoterapia, que tem sido bem avaliada por especialistas na área. “Tenho gostado muito da musicoterapia e há muitos estudos em revistas científicas mostrando o benefício dessa terapia. Vejo como uma forma de acessar a criança de uma forma prazerosa, abrindo uma janela para se estimular linguagem e socialização. Adoro quando a criança chega num ponto que é válida a terapia de estimular habilidades sociais. Pode ser feita por psicóloga ou psicopedagoga e levam a criança a ambientes normais de seu cotidiano procurando ajudá-las a interagir melhor. Eu realmente acredito que todos nós somos diferentes e temos habilidades a maximizar e imperfeições a serem trabalhadas. Além do que, temos diferentes objetivos na vida e ao longo do tempo. O que quero é auxiliar cada um a atingir seu máximo. E isso é diferente para cada um. É essa pluralidade que faz o mundo tão colorido e especial”, conclui a Dra. Stella Santos.

 

Dia Mundial

Desde 2008, no dia 2 de abril é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) com objetivo de conscientizar e chamar a atenção da sociedade para a questão do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nesta data, cartões-postais de todo o planeta se iluminam de azul, como o Cristo Redentor.