Por Mônica Rodrigues da Cruz *

Em março, quando a chefia da Fisioterapia Vera Abelenda foi impedida de retornar das suas férias ao Brasil pela suspensão de voos imposto pela COVID-19, assumi a chefia interina do serviço de Fisioterapia do HUPE. Nesse momento, com a parceria incansável de Cirlene Marinho, recebi o grande desafio profissional de nossas vidas com a chegada dos primeiros casos graves de Covid-19 no Rio de Janeiro. A previsão era que recebêssemos uma quantidade de pacientes que exigiria recursos e leitos acima da nossa capacidade. Essa demanda gerou uma força tarefa de reestruturação do serviço de fisioterapia do HUPE para admissão e acompanhamento dessas pessoas.
Todo o corpo de liderança profissional do HUPE desenvolveu uma força-tarefa para a obtenção de equipamentos, insumos e contratação de recurso humano especializado. O hospital ampliou de uma para cinco unidades de terapia intensiva, totalizando 63 leitos de UTI. Num tempo recorde, foi necessário reunir todos os Fisioterapeutas da UERJ, em suas diferentes especialidades, potencialidades e habilidades técnicas. No entanto, para fornecer adequada assistência de acordo com os protocolos internacionais e institucionais, os fisioterapeutas especialistas em terapia intensiva e em cardiovascular, lotados das unidades cardiointensivas, ofereceram treinamento para esses profissionais vindos dos ambulatórios, para atuação no front dentro das UTI.
Medo, superação, empatia e resiliência foram marcas da assistência da Fisioterapia nesta pandemia, desde a porta de entrada do hospital, na triagem, até a UTI. A experiência das equipes somada às evidências iniciais no manejo desses pacientes graves foram base para elaboração dos diversos protocolos desenvolvidos. A união, esforços e a pluralidade das diferentes especialidades atuantes no HUPE foram fundamentais para que os pacientes recebessem toda a assistência necessária diante de um quadro clínico tão dramático e difícil. Com a colaboração de todos os fisioterapeutas da UERJ, perseguimos um objetivo comum: salvar vidas das vítimas da COVID-19.
A complexidade e o tempo despendido para assistência desses pacientes com risco iminente de morte e a necessidade de condutas rápidas levaramà necessidade de redimensionamento nas unidades adulto COVID, de aproximadamente 1 fisioterapeuta para cada 5 pacientes, dada à labilidade clínica desses pacientes. A atuação do fisioterapeuta na UTI do HUPE inicia desde a avaliação da indicação de suporte ventilatório e sua continuidade, bem como a retirada do mesmo. Na trajetória do curso da doença, esse profissional realiza todo o acompanhamento do impacto da COVID-19 no sistema respiratório, sobretudo nos pulmões, a fim de minimizar lesões adicionais e garantir adequada troca gasosa e ventilação gentil, por meio de ajustes calculados de acordo com as necessidades individuais de cada paciente. Além disso, durante toda permanência do paciente internado na UTI, de acordo com os critérios de gravidade clínica, indicação e contraindicação, o fisioterapeuta também atua na avaliação e acompanhamento do quadro neuromotor, com ênfase na prevenção e recuperação das complicações musculoesqueléticas adquiridas pelo longo tempo de internação. Além da UTI adulto, o fisioterapeuta no HUPE atua desde o nascimento, na sala de parto, UTI neonatal e pediátrica, onde a equipe também foi referenciada para assistência COVID de bebês e crianças infectadas no estado do Rio de Janeiro.
O que fazer com os sobreviventes do novo coronavírus?
Como fruto da dedicação e competência das equipes envolvidas, o HUPE seguiu a tendência mundial e, com o passar das semanas, as taxas de mortalidade diminuíram. Essa melhora ocorreu possivelmente pela maior compreensão da fisiopatologia da doença e pela curva de aprendizado proporcionada no manejo desses pacientes. A alegria e entusiasmo com os resultados alcançados, foram acompanhados de um sentimento de inquietação: como deveremos seguir o tratamento com os sobreviventes?
O olhar cuidadoso da direção do HUPE estruturou a instituição e garantiu a criação de enfermarias de seguimento de pacientes, onde se fez necessário o engajamento da equipe multidisciplinar para apropriada reabilitação física, cognitiva e psicológica. A fisioterapia na UTI então, precisou transitar o cuidado para a equipe que prestava assistência nas enfermarias. Esse diálogo e continuidade, transmitia informações relevantes e servia como base para o estabelecimento de protocolos, logísticas e planos terapêuticos eficazes para recuperação funcional e retorno às atividades do dia a dia por esses indivíduos.
Quando os primeiros pacientes que sobreviveram ao coronavírus, expostos também à ventilação mecânica e restrição ao leito de forma prolongada começaram a ter alta da UTI, a equipe de fisioterapia confirmou o prejuízo funcional decorrente do quadro, com aumento substancial de pacientes que precisariam de continuidade de acompanhamento nessas enfermarias. Esses pacientes então se multiplicavam, assim como as nossas dúvidas sobre a evolução da doença e as barreiras impostas por ela. Nesse momento, a equipe de fisioterapia foi confrontada com uma “tsunami” de necessidades de reabilitação.
O processo de reabilitação do paciente pós Covid-19 reúne grande complexidade. É possível que os efeitos negativos agudos da presença do vírus no organismo ultrapassem aqueles conhecidos em outras condições críticas. Eles possuem sequelas como fraqueza muscular periférica e respiratória, sensação crônica de fadiga, desorientação, alteração de sensibilidade, equilíbrio, entre outros. Essas alterações, apesar de mais prevalentes e com maior taxa de mortalidade em idosos, também ocorrem e levam à perda de funcionalidade em pacientes jovens.A obesidade, comumente observada na faixa etária mais jovem por exemplo, foi frequentemente associada aos casos graves. A fraqueza muscular experimentada ainda nas enfermarias pelos pacientes, não raro, os impede de se movimentar no leito e realizar atividades de vida básicas como tomar água ou pentear o próprio cabelo. Com isso, o atendimento deve ser diário ou, por vezes, mais de 1 vez por dia.
A evolução dos pacientes é discutida em sessões clínicas, tanto multiprofissionais quanto naquelas voltadas para a Residência em Fisioterapia, ressaltando a missão do HUPE no processo de ensino-aprendizagem. A intenção é otimizar o tratamento individualizado e integral, ainda durante a internação e promover o melhor cuidado pensando em estratégias que otimizem o retorno do indivíduo à sua casa e sua vida na sua melhor condição funcional possível.
A alta hospitalar é objetivo final almejado por todos durante a internação, porém não é uma tarefa simples. O perfil socioeconômico de nossos pacientes e a perspectiva de falta de continuidade de assistência Fisioterapêutica na rede de saúde, em ambulatórios do SUS, nos leva àperda do potencial de melhora funcional ou declínio dos ganhos alcançados na internação. Isso porque somados aos distúrbios músculoesqueléticos e cardiorrespiratórios, mais de 80% dos pacientes que recebem alta possuem algum grau de dependência; e esses diferentes graus, são conduzidos de diferentes modos, conforme a necessidade individual do paciente. Essas limitações impactam não só os pacientes, mas seus familiares, o mercado de trabalho e a rede de saúde, que é carente em reabilitação. Essa realidade alarmante piorou durante a pandemia.
Síndrome Pós-covid
Pacientes que evoluíram com limitações físicas, cognitivas ou psíquicas após a Covid-19 devem ser rastreados para Síndrome pós-Covid. A partir da avaliação individual pré-alta, o paciente é classificado como leve, moderado ou grave. Um protocolo de exercícios é desenvolvido especificamente para esta condição respeitando a fase que o paciente está e garantindo segurança, até em seu domicílio. Para os pacientes com condições leves, são dadas apenas orientações e no momento da alta é disponibilizado um manual com exercícios para realização domiciliar; para os moderados, é indicado acompanhamento por telefisioterapia, com ligações telefônicas e monitoramento sobre a sua saúde e continuidade dos exercícios; já para os graves, é feito um encaminhamento para seguimento no ambulatório de Síndrome pós-COVID do Serviço de Pneumologia na Policlínica Piquet Carneiro. Nesse serviço, os pacientes continuam com assistência multidisciplinar e realizam testes físicos, de qualidade de vida, de função pulmonar, exames de imagem e laboratoriais. Também foi recém-implementado no HUPE, o ambulatório de seguimento para os pacientes que tiveram alta da UTI pediátrica, estendendo os cuidados de avaliação e orientação aos pais.
Dada a misteriosa patogênese e evolução da COVID-19, associada aos casos de sobreviventes que apresentam esta síndrome e seu futuro incerto, promover este acompanhamento, a longo prazo, é fundamental para qualidade de vida e reinserção destes indivíduos na sociedade. É provável que, como em outras doenças graves que necessitaram de longa hospitalização, as vítimas de Covid-19 e seus diferentes graus de acometimento, necessitem de longos períodos de Reabilitação até que finalmente retornem à sua condição de saúde anterior, ou que se tornem adaptados ao novo estilo de vida, superando possíveis sequelas.
*Coordenadora do programa de Residência em Fisioterapia do Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ; Doutoranda em Ciências INI/FIOCRUZ; Mestre em Ciências INI/FIOCRUZ ; Especialista em Terapia Intensiva HUPE/UERJ; Tecnologista em Saúde Pública FIOCRUZ